segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Tarefas ou pessoas?

        Dois finais de semanas atrás, manhã de sábado, saí de casa com uma lista de tarefas a serem cumpridas antes que comércio fechasse. A última seria pegar o almoço (marmita) até 12:30 h, pois haviam outros compromissos no início da tarde. No meio das tarefas já listadas a esposa ligando inserindo outras, aproveitando onde eu me localizava.
      Eu estava na calçada, andando apressado ao estacionamento pago onde deixara o carro. Um cara, carregando material que não lembro (parecia vendedor ambulante) abordou um senhora a frente pedindo algo. Tentei desbordar para também não ser parado, mas não consegui. Olhar cansado e de fome, pediu um trocado para comer. Eu tinha dois reais, exatamente o necessário para pagar o estacionamento. O impasse foi rápido, minha cabeça pensou rápido: atrasado ...  pagar estacionamento ... só tenho 2 reais ... terei que ir ao banco ... pegar almoço ainda. Minha resposta foi ... "não tenho" (considerando que os 2 reais já estavam empenhados). Respondi curto e evitei fitar os olhos dele novamente, saindo rapidamente daquela situação.
        Após cumprir tudo e chegar em casa, ao invés da sensação de uma manhã produtiva e de satisfação em conseguir cumprir todas as minhas missões, fui invadido por um sentimento de uma manhã perdida. O rosto daquele homem não saía da minha mente. Se tivesse pensado um pouco mais lembraria de usar o cartão de débito para pagar um lanche, seriam uns 15 minutos que não comprometeriam minhas missões. E mesmo que as comprometessem, ele seria mais importante que minhas tarefas. Na se trata de apenas um arrependimento por não ter alimentado aquele homem, mas considerando que "atitude" é uma reação pré-estabelecida para situações já vividas, um comportamento aprendido, isto me fez mergulhar dentro de mim. Quem sou eu? As tarefas são um meio de atender à pessoas ou são um fim em si mesmas? Passamos horas cumprindo metas, buscando produtividade, tudo para pretarmos um bom serviço...serviço a quem?
       Na mesma semana assisti um servidor aposentado estressado com nosso pessoal, quase entrando na justiça, precisando que comandante pessoalmente se engajasse e reunisse todos em sua sala. Depois de esclarecido o desentendimento percebi que os funcionários da ativa, responsáveis, agiram como escravos de suas tarefas burocráticas, sem empatia por aquele senhor que não entendia a situação e cuja angústia era legítima. Aliás, o posicionamento de todos se amparava pela legitimidade. Um pouco mais de tempo de conversa, de servidão em atender a necessidade daquele homem teriam sido suficientes. Ao invés de um desagradável impasse na sala do comandante, seria melhor um aposentado sem angústias e sem a sensação de descaso e prejuízo, bem como funcionários da ativa felizes por ter cumprido sua missão mais nobre no meio de tantas tarefas, anteder a necessidade daquele homem. E consequentemente, satisfazer também a própria necessidade, estabelecer relações humanas dignas, prazerosas, sentir-se parte de algo muito maior do que digitar ofícios e mapas.
       O prazer de cumprir tarefas com eficiência, de uma casa super arrumada, de concluir mais uma pós, é migalha diante do prazer de alimentar a fome de outra pessoa, de ver filho feliz com brinquedos espalhados pela casa, de aprovitar o tempo abraçado a quem se ama. É melhor a lembrança de um olhar sorrindo do que um olhar de fome.
       Domingo passado eu fui comprar uma pizza. No sinal um cara veio pedir dinheiro...rs...eu realmente não tinha nada e sei que se desse dinheiro provavelmente seria para drogas ou bebida. Mas ao responder que não tinha nada ele retrucou, se puder comprar um algo para comer eu aceito. Enquanto esperei a pizza ficar pronta, comprei um lanche ao lado, com cartão de débito. Voltei ao sinal, parei o carro e desci. Dei o lanche e conversei rapidamente e abençoei-o. O que fiz a ele não foi nada, foi apenas um lanche, a obra maior foi em mim mesmo. Mai do que alimento, espero que ele continue a ter fé e esperanças ... e que eu  .... também.

Um comentário:

  1. Uma vez um velhinho me parou na rua e me pediu dinheiro. Eu estava muito atrasado para o trabalho e não parei. E fiquei com a imagem dele na minha mente me perseguindo. Dias depois eu pude ajudá-lo. Os velhos sempre me dão mais pena, porque geralmente já não tem tantas chances na vida.

    Estou de volta ao mundo virtual e já li seus posts. Inclusive sobre o ocorrido no seu trabalho. Lamentável!

    Beijocas

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